A psicologia nos animes: como eles nos ensinam a lidar com as questões da vida?
Animes, por mais lindos, fantasiosos e impressionantes aos nossos olhos, possuem um recorte voltado para a psicologia
Publicado em 13 de Setembro de 2024, às 14h15
A Psicologia é a área que ganha cada vez mais espaço na sociedade, isso é, na boca e na mente das pessoas. Atualmente, é possível perceber as nuances da psicologia em diversas produções e os animes não escampam disso.
No passado, sofrendo preconceitos, mas atualmente algumas pessoas a enxergam como essencial no suporte da vida humana para diversas áreas: emocionais, materiais e etc.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Doctoralia, plataforma de agendamento de consultas, houve um aumento na procura de profissionais especializados no tratamento da saúde mental. Segundo a plataforma, a procura por psicólogos saltou de aproximadamente 710 mil para mais de um milhão de agendamentos em 2023. Ou seja, aumento de 89% em comparação com 2022.
Aliás, pautas como ansiedade, depressão entre outros transtornos mentais, são mais acolhidos do que outrora. Esses transtornos não são mais tabus, muito pelo contrário. Afinal, esses debates ganharam mais espaço para discussão, com a psicologia sendo o viés da cura ou a mediação para chegar até ela.
Dentro deste cenário, encontramos diversos elementos que fornecem um breve remédio para os momentos em que sentimos ansiedade, por exemplo. Alguns, optam pela música, enquanto outros preferem atividades de lazer, séries e filmes.
Mas há também aqueles que recorrem às animações, que muitas vezes conseguem transmitir com uma beleza única características do ser humano de forma maestra.
Emily Maria Barros Carvalho, de Santa Catarina, psicóloga formada pela Univille (Universidade da Região de Joinville), traz uma abordagem psicológica justamente nesse cenário. A especialista explora a cultura geek, mas com um recorte aprofundado no mundo dos animes.
A psicologia nos animes é um novo olhar
Desde a infância, o universo geek esteve presente na vida de Barros, mas foi na pré-adolescência que começou a entender esse mundo com mais profundidade. Ao longo do tempo, ela percebeu que os animes costumavam ser analisados de maneira mais tradicional, focando nas histórias ou personagens de forma isolada.
“No entanto, o que eu realmente queria era utilizar esses animes como uma ponte para me aproximar das pessoas, criando conexões que fossem mais do que apenas ‘mais do mesmo’. Minha intenção é tornar a psicologia mais humana e didática, utilizando esses elementos para facilitar o vínculo, sem deixar de lado a profundidade necessária para o processo terapêutico. Isso ajuda a criar um ambiente mais acessível e acolhedor, especialmente para jovens adultos que muitas vezes não se sentem representados.”
Segundo ela, as animações apresentam uma forma única de abordar questões psicológicas porque elas têm a capacidade de criar mundos e personagens que, embora fantasiosos, acabam refletindo experiências humanas profundas. “Elas [animações] conseguem explorar temas como trauma, identidade e amadurecimento de maneira sutil e simbólica, que ressoa de forma diferente em cada espectador”, disse Barros.
Mesmo que de forma subjetiva, conseguimos perceber nas entrelinhas as lições que as animações nos trazem. Muitos animes, por exemplo, destacam a importância de uma rede de apoio em diferentes momentos da vida, sejam eles bons ou ruins, o que é um dos esforços da psicologia para uma saúde mental saudável. Isso nos ensina muito sobre a necessidade de mantermos conexões sociais fortes.
A importância da rede de apoio nos animes e na vida
Dentro da psicologia dos animes, temos um exemplo claro que é Naruto, pois no início da série, ele enfrenta uma vida difícil e solitária, sem apoio de verdade. Essa situação, torna suas lutas muito mais complicadas. No entanto, à medida que ele constrói relações com amigos e mentores, sua vida melhora significativamente e ele consegue superar muitos desafios.
A psicóloga, ainda traz outro exemplo que aprendemos em My Hero Academia, onde Izuku Midoriya. Afinal, apesar de começar como um jovem aparentemente fraco, encontra força e crescimento no apoio de All Might e seus colegas.
De acordo com o psicólogo Urie Bronfenbrenner, a rede de apoio pode expressar respostas significativas na redução de sintomas psicopatológicos, tais como depressão e sentimento de desamparo. Mas, na ausência das redes, é possível enxergar uma vulnerabilidade das pessoas frente a uma situação de risco.
Barros aponta que quando conseguimos perceber essas nuances psicológicas em uma animação, nossa experiência de consumo se torna muito mais rica. Aliás, é importante destacar que não há problema em ‘consumir por consumir’, afinal, a arte deve fazer sentido para cada um de nós de maneira diferente.
“Mas, para quem busca algo mais, essa percepção pode realmente abrir a mente, permitindo que a gente enxergue o conteúdo de forma mais crítica e introspectiva. Isso pode nos surpreender e nos levar a descobrir mais sobre nós mesmos”, afirmou Barros.
Portanto, não há nada de errado em simplesmente consumir, mas, ao reassistir e perceber esses traços da psicologia nos animes, nossos olhos se abrem.
Aprenda a lidar com o medo
Um outro exemplo, de como podemos aprender a lidar com as questões da vida, é exemplificado na releitura que Barros fez sobre o medo, ao dizer que esse sentimento pode ser uma força paralisadora, como acontece com o personagem Eisen em Frieren: Beyond Journey’s End.
Segundo ela, o personagem personifica a dualidade do medo e carrega consigo o peso de traumas e arrependimentos, lutando para encontrar redenção em um mundo cheio de incertezas. No entanto, é sua coragem diante do mundo que o define, sua determinação em seguir em frente apesar das adversidades.
“Assim como Eisen, podemos aprender a dominar nossos medos, reconhecendo-os como parte do caminho para o crescimento e autodescoberta. Podemos transformar o medo em combustível, uma força motriz que nos impulsiona a buscar o desconhecido, a abraçar o desafio e a alcançar novos horizontes. Pois são nos nossos momentos de maior medo que encontramos a verdadeira coragem para seguir em frente e criar nosso próprio destino”
Mesmo que por alguns segundos, percebemos que o anime Frieren é uma verdadeira colcha de retalhos da psicologia. Afinal, é notório que a personagem principal lida com questões internas, inclusive com uma vida longínqua.
Os animes nos ensinam a cuidar daqueles à nossa volta
No atual cenário, inclusive da digitalização e da criação de falsas realidades, é difícil entender quando de fato alguém precisa de ajuda. Aliás, isso é algo que vale até mesmo para aqueles à nossa volta, especialmente se lidam com um momento difícil.
Não é de hoje que especialistas dizem o quanto as redes sociais, bem como a internet como um todo, usada excessivamente, são prejudiciais à saúde. Mas, ao mesmo tempo, é importante lembrar que não devemos demonizar a tecnologia, afirma Barros. “Ela tem perigos, sim, mas também possui potências incríveis, especialmente quando pensamos em sua capacidade de aproximar as pessoas”, completa.
Em vez de rejeitar a tecnologia, precisamos repensar a lógica digital em que vivemos e encontrar maneiras de usá-la para fortalecer nossas redes de apoio e enriquecer nossas vidas sociais, afirma a especialista.
A conexão com personagens nas animações
Certamente, enquanto assistimos animes, é certo dizer que muitas vezes teremos um personagem favorito ou até mesmo algum com o qual nos identificamos. Isso pode dizer muito sobre nós e sobre aqueles à nossa volta, inclusive com questões psicológicas.
Mas, segundo a psicóloga, é importante não cair no senso comum de que podemos analisar alguém apenas pelo que ela consome.
O que gostamos ou os personagens com os quais nos identificamos podem ser dicas interessantes ou até uma maneira de acessar partes da nossa personalidade, mas a única pessoa que pode realmente falar sobre você é você mesmo. “Essas conexões emocionais, no entanto, podem servir como um espelho para explorar quem somos e o que sentimos de uma forma mais profunda e dinâmica”.
O que fazer nos momentos de vulnerabilidade?
Emily Barros diz que buscar apoio pode ser um passo fundamental para encontrar clareza e força.
“Como Neil Gaiman diz, ‘Contos de fadas são verdadeiros, não porque eles nos ensinam que dragões existem, mas porque eles nos mostram que dragões podem ser derrotados.’ Esta citação nos lembra que, embora os desafios possam parecer imensos e intransponíveis, a verdadeira lição está em saber que é possível superá-los”, disse a especialista.
Assim como nas histórias que nos inspiram, nossas próprias jornadas são repletas de desafios que podem ser enfrentados e superados com a ajuda certa.
Então, reconhecer que a ajuda pode vir de onde menos esperamos e que buscar apoio é um sinal de coragem, não de fraqueza, é essencial para nosso crescimento e bem-estar.
Barros finaliza ao dizer que não estamos sozinhos em nossas lutas; o apoio emocional e a terapia são caminhos poderosos para encontrar a força e a esperança necessárias para vencer nossos próprios dragões.
Leia também: