Crítica: “Os Fabelmans”

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Spielberg faz uma ode ao cinema inspirado em sua própria vida

Autor Fran Sanna
Fran Sanna

Publicado em 16 de Janeiro de 2023, às 22h19

"Os Fabelmans" está em cartaz nos cinemas - Foto: Reprodução Universal Pictures“Os Fabelmans” está em cartaz nos cinemas – Foto: Reprodução Universal Pictures

Exclusivo apenas para quem sai de casa e vai até o cinema, Steven Spielberg, através de um vídeo curto antes da sessão, agradece aos telespectadores por estarem ali dentro de uma sala de cinema, apreciando sua carta de amor escrita em forma de filme para seus pais, Leah Adler e Arnold Spielberg, que morreram em 2017 e 2020, respectivamente. É assim que começa a história de seu novo filme, “Os Fabelmans”, que estrou na última semana nos cinemas brasileiros. No longa, um dos maiores cineastas da indústria conhecido por tantos clássicos como “Tubarão”, “E.T” e “O Resgate do Soldado Ryan” vira personagem de sua própria história sob o alter-ego de Sammy Fabelman e revisita sua infância e adolescência para contar como o seu amor pelo cinema floresceu e como os filmes o ajudaram a enxergar de forma intrínseca as pessoas ao seu redor. 

Durante duas horas e meia de filme, Spielberg externa todas as suas memórias afetivas enquanto acompanhamos a jornada do pequeno Sammy, interpretado por Mateo Zoryan, indo assistir seu primeiro filme no cinema. Acompanhado de seus pais, o clássico escolhido foi “O Maior Espetáculo da Terra”, de Cecil B. DeMille, que o deixou obcecado pela cena do trem entrando em colisão com um carro e só ficou em paz quando conseguiu reproduzir a cena. Sua mãe, Mitzi Fabelman, interpretada por Michelle Willians e seu pai, Burt Fabelman, interpretado por Paul Dano, o incentivaram desde o início, então aos 12 anos, Sammy ganhou sua primeira câmera 8mm. Achei muito singelo mostrar como o apoio familiar nos sonhos de criança reflete de forma positiva na fase adulta, as cenas do Sammy ainda criança criando filmes e personagens ao lado de suas irmãs são fofíssimas.  

Já na fase adolescente que o filme ganha corpo com a trama central da história. Ainda acompanhamos Sammy, agora interpretado por Gabriel LaBelle, se descobrindo e aperfeiçoando seus dotes de jovem cineasta, fazendo vídeos de família, criando e editando pequenos filmes com seu grupo de escoteiros. A partir daí o roteiro começa abordar o antissemitismo que a família Fabelman passa ao mudar de cidade e o conflito junto com a cumplicidade entre mãe e filho ao ocultar um segredo que foi exposto durante uma viagem em família e que Sammy acabou descobrindo enquanto filmava. 

Vejo aqui que ”Os Fabelmans” é um dos filmes mais pessoais de Spielberg. Há quem diga que o filme é um oscarbait completo (nome que damos aqui no mundinho cinéfilo quando a soma de um roteiro óbvio + atores escalados trará indicações ao maior prêmio do cinema americano). Pra mim sempre será uma felicidade imensa ver um diretor homenageando a história do cinema de alguma forma, deveria ser obrigatório para todos os diretores criarem algo assim. E no caso do Spielberg, ele fez uma homenagem ao cinema a partir da própria vida dele, celebrando os seu ídolos que o fizeram ser o que ele é hoje. Enquanto assistia, lembrava com carinho de outros filmes e homenagens como “Cinema Paradiso“, dirigido pelo Giuseppe Tornatore e “A Invenção de Hugo Cabret”, dirigido pelo Martin Scorsese.

Gabriel LaBelle, no papel de Sammy Fabelman – Foto: Reprodução Universal Pictures

Sobre a direção do Spielberg, pra mim ele tem uma magia inexplicavel em seus filmes que traz a sua marca emocional em pequenos detalhes. É magistral como ele consegue conduzir bem cenas com crianças, e isso é desde sempre com os seus outros filmes. O enquadramento da cena é perfeitamente ajustada para transmitir emoção. A sinergia das cenas entre Mateo Zoryan, que faz o Sammy na infância e as atrizes Keeley Karsten e Julia Butters que fazem suas irmãs são muito bem trabalhadas, você se sente confortável e animado para acompanhar o desenvolvimento da história. 

E por falar em atuação, o que é a Michelle Williams interpretando essa mãe tão complexa? Juro, quem não chora no clímax da trama morreu por dentro. É notável a dedicação Williams para a construção de Mitzi. As cenas ao lado de Gabriel LaBelle, o Sammy adolescente, são super poderosas, pois retrata aquele embate de mãe e filho sobre valores e conceitos familiares.

Michelle Williams no papel de Mitzi Fabelman – Foto: Reprodução Universal Pictures

Fica impossível não se identificar com esse momento, porque quando a gente é criança, temos em mente que nossos pais são imaculados mas a realidade é que eles também são seres humanos passíveis de “erros”. Acredito que essa foi a maior lição de vida que Spielberg teve quando era jovem, e o cinema mostrou pra ele como lidar com essas crenças e seguir em frente.  

Destaco também a atuação de Paul Dano, que faz o pai de Sammy. É um personagem delicado que tem seus traumas e que precisa lidar com os conflitos familiares. Seth Rogen no papel do “tio” Bennie também tem uma passagem muito importante na história e vê-lo em cena ao lado de Dano, William e LaBelle foi muito enérgico. 

Agora a cena final pra mim é uma das mais emblemáticas, pois Spielberg homenageia seu grande ídolo e mentor, o diretor John Ford. E o ator convidado para interpretar esse grande nome de hollywood é nada mais nada menos que outro grande nome do cinema, o diretor David Lynch. Estou evitando ao máximo dar spoilers aqui porque quero que você veja com seus próprios olhos, mas essa cena… Na verdade… O filme todo é poesia pura! E a cereja do bolo, que completa essa linda história é a trilha sonora que foi assinada pelo seu grande parceiro John Williams que com esse, soma-se 29 filmes trabalhados juntos. 

Spielberg começou o projeto desse filme com sua irmã Anne, em 1999 mas deixou engavetado todo esse tempo, pois estava receoso de expor seus pais e magoá-los de alguma forma. Só depois de 20 anos, enquanto dirigia o filme “Amor, Sublime Amor” que Spielberg resgatou o material e terminou de escrever junto com o roteirista Tony Kushner. O filme recentemente recebeu o prêmio de Melhor Filme Drama e Melhor Diretor no Globo de Ouro e segue sendo um dos favoritos a levar as estatuetas do Oscar no final de março. 

Nem preciso dizer que recomendo fortemente o filme depois de tudo isso que escrevi né? Eu sou suspeita para dizer, pois sou apaixonada pela história do cinema, pela fase mais clássica e com certeza Steven Spielberg está na minha base cinéfila. São filmes como esse que me faz lembrar o motivo pelo qual a sétima arte é o meu hobby e paixão.