Crítica: TÁR

Compartilhar:

Cate Blanchett entrega uma das melhores atuações de sua carreira sob a direção de Todd Field

Fran Sanna

Publicado em 12 de Fevereiro de 2023, às 21h30

Cate Blanchett estrela como Lydia Tár no novo filme do diretor Todd Field - Foto: Divulgação Focus FeaturesCate Blanchett estrela como Lydia Tár no novo filme do diretor Todd Field – Foto: Divulgação Focus Features

“Caráter é aquilo que você é quando ninguém está te olhando”, disse o filósofo grego Epicuro há muito anos atrás e o diretor Todd Field reproduz agora em 2023 com o filme TÁR, abordando em seu roteiro a cultura do cancelamento dentro de um âmbito tão erudita como a musica clássica, local talvez inesperado para uma discussão tão pertinente como essa nos nos dias atuais.

E é neste mundinho que conhecemos Lydia Tár, maestra da Filarmôrnica de Berlim, dona de uma carreira indefectível, cheia de premiações e reconhecimentos que acaba de lançar seu livro biográfico e está se preparando para a gravação da Sinfonia Nº5 de Gustav Mahler, seu grande desafio profissional naquele momento. Durante as quase 3 horas de filme, enquanto acompanhamos diversos ensaios para o fatídico evento assistimos também a derrocada dessa personagem tão forte e inabalável diante de todas as dificuldades que uma mulher poderia passar dentro de uma profissão que é majoritariamente exercida por homens. Mas neste caso, Tár foi a única responsável por suaa queda a partir de condutas alimentadas pelo mesmo machismo estrutural, que de forma indireta ela sempre combateu.

Durante a história, no púlpito e na vida pessoal, entendemos o quão Lydia Tár se impõe diante de adversidades mas também tenta controlar tudo e todos ao seu redor, desde a sua esposa Sharon, interpretada por Nina Hoss, até na escolha de uma nova violocenlista para a apresentação.

No início do filme, acontece uma cena interessante entre Lydia e um aluno sobre saber separar o artista da obra, enquanto o aluno se recusa a ouvir ou tocar Bach por conta de sua índole, Tár defende com unhas e dentes. Conforme o roteiro desenrola até o climáx, o telespectador percebe que Tar é contra qualquer tipo de cancelamento justamente porque ela é uma pessoa 100% “cancelável”. Ninguém se importa com seus méritos, ninguém se importa com seu currículo a partir do momento que se descobre todas as polêmicas envolvendo o seu nome.

Sobre o roteiro, acho que Todd Field deixou uma atmosfera bem densa propositalmente. Vi muitas pessoas reclamando que o início da história soou um pouco pedante, mas acredito que o mundinho de música erudita talvez seja assim mesmo, dado ao tempo que se estuda para se tornar músico ou maestro, então é esperado os dialógos entre eles sejam num nível mais elevado da cultizisse. Ou talvez seja apenas um esteriótipo que o Todd quis manter assim para o público.

Apesar de em alguns momentos eu ficar meio perdida no que estava sendo conversado, ainda sim me senti imersa dentro da história. Num geral eu achei divertido, porque no início mostra uma pessoa tão perfeita em tudo que se propõe mas que no fim não há perfeição que sustente qualquer erro humano. No fim, somos nós que colocamos as pessoas num pedestal mas também fica pra nós a responsabilidade de tira-los quando necessário. E o recomeço de Tár foi exatamente esse, deixar de reproduzir as mesmas coisas do passado (música e conduta) como um robô e olhar para o que a juventude tem para dizer e produzir.

A forma que o Todd fez a intro do filme, apresentando Lydia Tár e toda a sua grandeza profissional ficou tão bem construído que por um momento duvidei que ela fosse apenas um personagem. Assim que a sessão acabou, meu subconsciente me forçou a fazer uma busca no google mesmo sabendo que o filme era ficção.

Cate Blanchett estrela como Lydia Tár no novo filme do diretor Todd Field – Foto: Divulgação Focus Features

Durante as cenas de ensaio, lembrei muito dos filmes Cisne Negro, do Darren Aronofsky e Whiplash, do Damien Chazelle. Eu achei que seria algo parecido com essas duas histórias, conforma a história estava sendo construída, esperava uma espécie de burnout por parte da personagem após tantos ensaios e fui muito surpreendida com a cena da apresentação da 5ª Sinfonia. E que momento!

Agora é Impossível ver o filme e não mencionar o que foi Cate Blanchett nesse filme, simplesmente essa atuação foi uma das mais viscerais que tive o prazer de ver no cinema. Ela simplesmente aprendeu alemão, teve algumas aulas de regência e também retomou as aulas de piano para o papel e o resultado disso é uma das personagens mais enigmáticas da história. Não sei explicar o sentimento que foi acompanhar a personagem, era um misto de “que mulher incrível!” com “que mulher intragável!”. Cate Blanchett teve total liberdade para moldar ainda mais a personagem, que foi escrita exclusivamente para que ela a representasse, e é muito legal como a Cate conseguiu mostrar todas as fortalezas e fraquezas de Tár com muita sutileza. Não é a toa que ela está levando todos os prêmios dessa temporada

O filme está em cartaz nos cinemas e marca o retorno de Todd Field na direção após 16 anos sem lançamentos. Recomendo fortemente que seja assistido nas telonas. O filme tem muitas camadas que acaba trazendo algumas dúvidas mas ao mesmo tempo é uma história que instiga e hiptoniza por seus detalhes que quase saem despercebidos durante a sessão.