Crítica: ‘Todo Dia a Mesma Noite’ elucida falhas no judiciário e danos da impunidade

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A minissérie ‘Todo Dia a Mesma Noite’ nos coloca ao lado das famílias que ainda lutam pela devida justiça pela morte de seus filhos

Gabriel Barbosa

Publicado em 2 de Fevereiro de 2023, às 08h47

Crítica: 'Todo Dia a Mesma Noite' elucida falhas no judiciário e danos da impunidadeTODO DIA A MESMA NOITE. (L to R) PEDRO SOL as LUIS, RAQUEL KARRO as LIVIA, PAULO GORGULHO as RICARDO in TODO DIA A MESMA NOITE. Cr. Guilherme Leporace/Netflix © 2023

Todo Dia a Mesma Noite, minissérie de ficção da Netflix inspirada na história real do incêndio na boate Kiss, estreou na última quarta-feira (25/01) e ainda dá o que falar nas redes sociais.

Emoção, comoção, raiva, choros e revolta, são termos usados com frequência em diversas postagens nas redes sociais quando o assunto é a série e há um porquê disso e entendemos melhor ao longo da trama.

O fato é que o telespectador, por diversas razões, sentirá, em cada episódio, um soco no estômago devido às circunstâncias e a dificuldade das famílias em conseguir a devida justiça, mas também pela forma como os jovens morreram.

Não é novidade que o sistema penal e judicial brasileiro é falho, mas com a série, temos uma noção mais ampla de como as coisas funcionam no nosso país.

O descuido com a vida humana, por parte dos empresários e responsáveis pela boate, é bem escancarado na série, já que eles não tiveram a devida atenção quanto à estrutura do lugar e, como consequência disso, 242 jovens morrem, e isso fica mais explícito ao longo da série. E apresentar isso para o telespectador essencial para entendermos melhor o que as famílias tiveram de lidar nesses últimos 10 anos.

Vidas foram engolidas pelo fogo e pela fumaça tóxica, e essa última foi a principal responsável pela morte de uma boa parcela. Já que a espuma de poliuretano libera cianureto e gás cianídrico, o mesmo usado nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. O barato, como vimos na trama, saiu caro.

Isso colaborou ainda mais para um cenário de guerra entre paredes; corpos no chão, adolescentes sendo pisoteados etc., ainda assim, poderia ser mais explorado os momentos de horror que aconteceram no ato do incêndio, para ampliar nossa visão e os danos da tragédia.

A falta de detalhes nessas cenas pode causar um vazio no telespectador, até mesmo por também não terem explorados como eram as noites da casa antes da tragédia-crime. 

Claro que, por se tratar de uma minissérie, não poderíamos esperar narrativas mais aprofundadas, pois fica claro a pressa em demonstrar os danos causados na vida dos pais após a tragédia, de como a impunidade pode acabar com vidas, além das que estavam presentes na boate – e o mesmo vale para outras tragédias-crime. E, como resultado disso, diversas lacunas foram abertas, mas que podem ser preenchidas no livro da jornalista, Daniela Arbex, ou acompanhando o caso fora das telas. 

A dor dos pais que perderam seus filhos é o que prende o telespectador na série. Em muitos diálogos levamos uma pancada de dor que se transformam em lágrimas e nos fazem perceber que esse é o principal motivo da trama: refletir sobre o sofrimento daqueles que lidam com a injustiça e impunidade. O contexto nos faz pensar que nesses últimos 10 anos os pais viveram pesadelos diários, mas de olhos abertos.

Todo Dia a Mesma Noite também soa como uma espécie de alerta para a atual geração, de jovens e adultos, para saberem aonde vão curtir a noitada, já que a má estrutura do lugar, a falta de extintores e placas indicando a saída, colaboraram com a quantidade de mortos e, sobre este último, foi por conta disso que muitos erraram o caminho e acabaram se mutuando no banheiro, onde não havia janelas o que também colaborou com a aglomeração da fumaça tóxica, fazendo com que eles respirarem a própria morte. 

As cenas no banheiro poderiam ser mais explorados, já que foi nesse ambiente que muitos corpos foram encontrados mortos, deixando o lugar com uma pilha de corpos, semelhante aos que tinham nos campos de concentração durante a Segunda Guerra.

O salto temporal que aconteceu na série para explicitar a demora do julgamento causou um vazio sobre como foi a rotina dos pais em dias pacatos, mas podemos imaginar que não foram momentos fáceis… como se uma tempestade se formasse a cada dia e sem previsão de término. 

Foi no dia 27 de janeiro que a tragédia que matou 242 e deixou mais de 600 feridos completou 10 anos. A boate segue em pé em Santa Maria, com o logo ‘Kiss’, mas não da forma como muitos conheciam.

A trama também elucida o fato de que os donos da boate não quiseram matar os jovens, mas a falta de cuidado com o ambiente em que eles estavam mostram o contrário.

Ainda há famílias que não podem descansar, pois sabem que os responsáveis pela tragédia seguem suas vidas, enquanto eles vivem um pesadelo sem fim, como resultado da impunidade.

Se alguém quer entender melhor o que de fato aconteceu e porque não houve alguém devidamente culpado, a série é um conglomerado de detalhes importantes que pode preencher algumas lacunas, mas que também pode abrir outras.

Se Daniela Arbex junto das diretoras, Julia Rezende e Carol Minêm, quiseram elucidar que mesmo após uma tragédia, há pessoas que ainda morrem, dia após dia enquanto buscam por justiça, elas conseguiram.

Tudo isso poderia ter mais explorado com mais episódios e um enredo menos apressado, no entanto, isso não nega o fato de que com poucos conseguiram trazer a dor das famílias que até hoje não conseguiram dar o devido descanso a seus filhos que se foram.

Caso ainda não tenha assistido, confira o trailer da série:

A Netflix também disponibilizou um vídeo dos bastidores da trama: