Crítica: Vinagre de Maçã — A Fraude Que Transcende o Gênero Exposé
Vinagre de Maça, nova série da Netflix, possui uma crítica social poderosa e necessária, enquanto mergulha na humanidade dos personagens
Publicado em 11 de Fevereiro de 2025, às 09h13
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O gênero Exposé se tornou uma febre nos últimos anos. Ele vem proporcionando aos espectadores uma fascinante combinação de mistério, manipulação e ascensão e queda de figuras públicas e Vinagre de Maçã, mais recente adição a esse subgênero, não se limita a repetir fórmulas.
A produção transcende as expectativas com uma narrativa complexa, personagens arrebatadores e uma análise imersiva sobre os limites da mentira e da dor humana.
Enredo de Vinagre de Maçã
A série, criada por Samantha Strauss, mergulha na figura de Belle Gibson, uma influenciadora australiana que se construiu à base de uma mentira devastadora. Ela nunca teve câncer terminal, mas fingiu tê-lo para promover seu estilo de vida alternativo e arrecadar milhões.
Essa premissa, por si só, poderia facilmente cair no comum e previsível — algo que já vimos em inúmeras outras produções do gênero. No entanto, Apple Cider Vinegar se destaca por dois elementos cruciais: sua construção de personagens e sua abordagem emocional.
Kaitlyn Dever entrega uma performance brilhante como Belle Gibson. Ela não apenas interpreta a fraudulenta socialite, mas incorpora a essência de uma pessoa que, ao perder a capacidade de distinguir a mentira da realidade, vai se afundando cada vez mais em sua própria teia de enganos.
Dever transmite a frieza de Belle com uma sutileza arrepiante. Ela de fato conseguiu emular a manipulação psicológica que a personagem exerce sobre todos ao seu redor, sem nunca cair no exagero.
A personagem, construída com uma desconcertante ausência de remorso, é um reflexo do vazio da busca incessante por validação a qualquer custo. Seu comportamento, manipulador e sociopata, torna-se hipnotizante, e é impossível não se perguntar até onde ela poderia ir para manter sua fachada intacta.
Contudo, é o segundo enredo da série, centrado na personagem Milla Blake (Alycia Debnam-Carey), que eleva Vinagre de Maçã a um patamar emocionalmente mais denso.
Uma segunda camada em Vinagre de Maçã
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Milla é uma influenciadora de bem-estar que usa a dor de sua doença terminal como plataforma para promover métodos alternativos de tratamento. Ela é uma personagem que poderia facilmente ser classificada como uma versão idealizada de alguém como Belle.
O jogo de espelhos entre as duas figuras é o que dá à série uma profundidade emocional. Afinal, vemos Belle, em sua constante busca por uma identidade própria, se apossando da história de Milla de forma desumana.
A dor real de Milla, alicerçada na medicina alternativa e nas consequências devastadoras dessas escolhas, nunca é trivializada, e seu sofrimento real faz a manipulação de Belle ainda mais cruel.
A série, no entanto, não se limita a apenas criticar os danos causados pela fraude de Gibson. Afinal, ela também explora os impactos do ambiente de tecnologia e redes sociais, onde a linha entre a realidade e a ficção se torna cada vez mais tênue.
Influenciadores e Aceitação
A crítica a essa cultura de “influenciadores” é clara, mas não é forçada. Ao mesmo tempo, o programa não se esquiva da exploração das fraquezas emocionais de sua protagonista.
Quando o foco recai sobre a mãe de Belle, uma mulher emocionalmente instável, o espetáculo revela com maestria como a necessidade desesperada de aceitação pode, em última instância, levar alguém a inventar uma história tão grotesca quanto a de Belle Gibson.
O maior mérito de Apple Cider Vinegar é, sem dúvida, a forma como humaniza o crime. Ao contrário de outras produções do gênero Exposé que se baseiam apenas no escândalo, a série de Strauss mergulha no interior das personagens, mostrando as consequências reais de suas ações.
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A performance de Dever é de tirar o fôlego, pois ela consegue dar à sua personagem uma dimensão inesperada. Não apenas como uma mentirosa, mas como uma mulher desesperada por amor e reconhecimento, que acaba se destruindo no processo.
A comparação com outras produções do gênero, como The Dropout e Inventing Anna, é inevitável. Vinagre de Maçã oferece algo mais, ao explorar o lado humano e emocional da fraude, ao invés de simplesmente expô-la.
Strauss não sacrifica a sensibilidade e a seriedade no decorrer dos episódios, oferecendo um olhar minucioso e sem julgamento sobre as consequências de viver uma mentira e como isso afeta todos ao seu redor.
Em termos de direção e ritmo, a série consegue balancear o drama com a tensão de maneira eficaz, mesmo que em alguns momentos sua estrutura fragmentada possa desconcertar um pouco o espectador.
Contudo, Apple Cider Vinegar é um prato cheio para quem busca não apenas a verdade de uma fraude, mas a complexidade das almas por trás dela.
Aos fãs de exposés e de dramas baseados em histórias reais, Apple Cider Vinegar oferece mais do que a superfície. Ela convida o espectador a refletir sobre o impacto das mentiras, a dor do falso sofrimento e os custos de um mundo que consome e se encanta com histórias manipuladas.
Uma obra-prima da manipulação emocional — tanto na tela quanto fora dela.