Crítica: Vinagre de Maçã — A Fraude Que Transcende o Gênero Exposé

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Vinagre de Maça, nova série da Netflix, possui uma crítica social poderosa e necessária, enquanto mergulha na humanidade dos personagens

Autor Gabriel Barbosa
Gabriel Barbosa

Publicado em 11 de Fevereiro de 2025, às 09h13

(Da esquerda para a direita) Ashley Zukerman como Clive, Kaitlyn Dever como Belle em Vinagre de Cidra de Maçã. Cr. Cortesia da Netflix © 2024(Da esquerda para a direita) Ashley Zukerman como Clive, Kaitlyn Dever como Belle em Vinagre de Cidra de Maçã. Cr. Reprodução: Netflix © 2024.

O gênero Exposé se tornou uma febre nos últimos anos. Ele vem proporcionando aos espectadores uma fascinante combinação de mistério, manipulação e ascensão e queda de figuras públicas e Vinagre de Maçã, mais recente adição a esse subgênero, não se limita a repetir fórmulas.

A produção transcende as expectativas com uma narrativa complexa, personagens arrebatadores e uma análise imersiva sobre os limites da mentira e da dor humana.

Enredo de Vinagre de Maçã

A série, criada por Samantha Strauss, mergulha na figura de Belle Gibson, uma influenciadora australiana que se construiu à base de uma mentira devastadora. Ela nunca teve câncer terminal, mas fingiu tê-lo para promover seu estilo de vida alternativo e arrecadar milhões.

Essa premissa, por si só, poderia facilmente cair no comum e previsível — algo que já vimos em inúmeras outras produções do gênero. No entanto, Apple Cider Vinegar se destaca por dois elementos cruciais: sua construção de personagens e sua abordagem emocional.

Kaitlyn Dever entrega uma performance brilhante como Belle Gibson. Ela não apenas interpreta a fraudulenta socialite, mas incorpora a essência de uma pessoa que, ao perder a capacidade de distinguir a mentira da realidade, vai se afundando cada vez mais em sua própria teia de enganos.

Dever transmite a frieza de Belle com uma sutileza arrepiante. Ela de fato conseguiu emular a manipulação psicológica que a personagem exerce sobre todos ao seu redor, sem nunca cair no exagero.

A personagem, construída com uma desconcertante ausência de remorso, é um reflexo do vazio da busca incessante por validação a qualquer custo. Seu comportamento, manipulador e sociopata, torna-se hipnotizante, e é impossível não se perguntar até onde ela poderia ir para manter sua fachada intacta.

Contudo, é o segundo enredo da série, centrado na personagem Milla Blake (Alycia Debnam-Carey), que eleva Vinagre de Maçã a um patamar emocionalmente mais denso.

Uma segunda camada em Vinagre de Maçã

Alycia Debnam-Carey como Milla em Vinagre de Maçã
Alycia Debnam-Carey como Milla em Vinagre de Maçã. Foto: Netflix © 2024

Milla é uma influenciadora de bem-estar que usa a dor de sua doença terminal como plataforma para promover métodos alternativos de tratamento. Ela é uma personagem que poderia facilmente ser classificada como uma versão idealizada de alguém como Belle.

O jogo de espelhos entre as duas figuras é o que dá à série uma profundidade emocional. Afinal, vemos Belle, em sua constante busca por uma identidade própria, se apossando da história de Milla de forma desumana.

A dor real de Milla, alicerçada na medicina alternativa e nas consequências devastadoras dessas escolhas, nunca é trivializada, e seu sofrimento real faz a manipulação de Belle ainda mais cruel.

A série, no entanto, não se limita a apenas criticar os danos causados pela fraude de Gibson. Afinal, ela também explora os impactos do ambiente de tecnologia e redes sociais, onde a linha entre a realidade e a ficção se torna cada vez mais tênue.

Influenciadores e Aceitação

A crítica a essa cultura de “influenciadores” é clara, mas não é forçada. Ao mesmo tempo, o programa não se esquiva da exploração das fraquezas emocionais de sua protagonista.

Quando o foco recai sobre a mãe de Belle, uma mulher emocionalmente instável, o espetáculo revela com maestria como a necessidade desesperada de aceitação pode, em última instância, levar alguém a inventar uma história tão grotesca quanto a de Belle Gibson.

O maior mérito de Apple Cider Vinegar é, sem dúvida, a forma como humaniza o crime. Ao contrário de outras produções do gênero Exposé que se baseiam apenas no escândalo, a série de Strauss mergulha no interior das personagens, mostrando as consequências reais de suas ações.

Kaitlyn Dever como Belle na série da Netflix Vinagre de Maçã
Kaitlyn Dever como Belle na série da Netflix Vinagre de Maçã. Netflix © 2024

A performance de Dever é de tirar o fôlego, pois ela consegue dar à sua personagem uma dimensão inesperada. Não apenas como uma mentirosa, mas como uma mulher desesperada por amor e reconhecimento, que acaba se destruindo no processo.

A comparação com outras produções do gênero, como The Dropout e Inventing Anna, é inevitável. Vinagre de Maçã oferece algo mais, ao explorar o lado humano e emocional da fraude, ao invés de simplesmente expô-la.

Strauss não sacrifica a sensibilidade e a seriedade no decorrer dos episódios, oferecendo um olhar minucioso e sem julgamento sobre as consequências de viver uma mentira e como isso afeta todos ao seu redor.

Em termos de direção e ritmo, a série consegue balancear o drama com a tensão de maneira eficaz, mesmo que em alguns momentos sua estrutura fragmentada possa desconcertar um pouco o espectador.

Contudo, Apple Cider Vinegar é um prato cheio para quem busca não apenas a verdade de uma fraude, mas a complexidade das almas por trás dela.

Aos fãs de exposés e de dramas baseados em histórias reais, Apple Cider Vinegar oferece mais do que a superfície. Ela convida o espectador a refletir sobre o impacto das mentiras, a dor do falso sofrimento e os custos de um mundo que consome e se encanta com histórias manipuladas.

Uma obra-prima da manipulação emocional — tanto na tela quanto fora dela.