Crítica: Babilônia

Compartilhar:

Novo filme de Damien Chazelle homenageia de forma crítica a primeira grande mudança da indústria cinematográfica

Autor Fran Sanna
Fran Sanna

Publicado em 28 de Janeiro de 2023, às 09h00

"Babilônia", novo filme de Damien Chazelle tem 3 horas de duração e está em cartaz nos cinemas - Foto: Reprodução Paramount Pictures“Babilônia”, novo filme de Damien Chazelle tem 3 horas de duração e está em cartaz nos cinemas – Foto: Reprodução Paramount Pictures

Babilônia, segundo o antigo testamento da bíblia, era uma cidade muito próspera, mas o egocentrismo da população em querer ser maior que Deus tornou o lugar um símbolo de degradação moral, idolatria e materialismo. Com a ideia dos homens de construir uma torre (a famosa Torre de Babel) que fosse tão alta e alcançasse o céu, Deus acabou castigando todos que se comportavam dessa forma, fazendo com que eles se confundissem com as novas línguas (idiomas) que foram criadas enquanto construiram a torre. É inspirado nessa história, que Damien Chazelle nomeia seu novo filme que estreou dia 19 de janeiro nos cinemas brasileiros.

Situada nos anos 20, aqui a Babilônia é Hollywood e a Torre de Babel é a indústria cinematográfica, que a cada ano que passa vai se aperfeiçoando em seus métodos, gêneros e técnicas. Na história, acompanhamos a transição do cinema mudo para o cinema falado sob a experiência dos personagens Manny Torres, interpretado por Diego Calva, um mexicano que sonha em trabalhar com cinema; Nellie LaRoy, interpretada por Margot Robbie, uma jovem que sonha em ser uma atriz famosa; Jack Conrad, interpretado por Brad Pitt, um ator consolidado do cinema mudo; Sidney, interpretado por Jovan Adepo, um trompetista de jazz e Lady Fay Zhu, interpretada por Li Jun Li, a única atriz asiática famosa da época.

Mas antes de conhecemos as camadas de cada personagem, Chazelle primeiro apresenta o escárnio que Hollywood sempre foi, no maior estilo Calígula de viver, com suas festas regadas de bebidas, sexo e drogas, onde toda a indústria cinematográfica se divertia mas também fazia contatos para futuros trabalhos. É nesse primeiro ato que todos os personagens se conectam por um sentimento em comum: O DESEJO PELA FAMA.

Eu achei muito audacioso o Chazelle utilizar a mesma fórmula que ele usou em La La Land (2016), sobre o sonho do estrelato e tudo o que alguém é capaz de fazer para chegar lá. Mas aqui em Babilônia não tem sentimentalismo nenhum, tudo é mostrado de forma bem detalhada e de forma impactante para quem está vendo. Em algumas cenas me sentia desconfortável ao assistir e tentava entender o que estava acontecendo e com muito humor durante as cenas eu me reconectava novamente ao roteiro.

A segunda hora do filme que o roteiro ganha corpo, e os personagens começam a aprofundar também. Nesse momento ocorre a transição do cinema mudo para o falado, momento mega importante na história do cinema. Para vocês terem uma noção do impacto, em 1929, apenas dois anos após o lançamento do primeiro filme sonorizado “O Cantor de Jazz”, o cinema falado já representava 51% na produção norte-americana. A adesão de quase todas as produtoras ao novo sistema abalou convicções, provocou a inadaptação de diretores, atores e roteiristas.

Foto: Divulgação Paramount Pictures
Foto: Divulgação Paramount Pictures

Diretores como Charles Chaplin e René Clair estão entre os que resistiram à novidade, mas com o tempo também aderiram à sonorização. A maioria dos grandes atores do cinema mudo perderam oportunidades com o tempo e foram esquecidos, tendo seu espaço ocupado por novos nomes na indústria.

É aqui que Chazelle é certeiro, fazendo essa metáfora com a Torre de Babel. As novas línguas criadas por Deus, no caso, a sonorização do cinema, trouxe muito estrago, mas também trouxe o modenização na forma de contar histórias, que é o que a gente está habituado nos dias atuais. Ver a ascensão do mexicano Manny nesse novo momento de cinema ao mesmo tempo que o declínio de Nellie Laroy e Jack Conrad acontece enquanto eles tentam se habituar ao silêncio ensurdecedor dos estúdios de gravação é muito rico em detalhes no filme.

Diferente do filme Os Fabelmans, do Spielberg, aqui no filme Babilônia, Damien Chazelle também faz uma ode ao cinema, mas não de forma mágica e fofa, mas sim botando o dedo na ferida, sendo escrachado, mostrando que em Hollywood os artistas tem prazo de validade sim, ou se habituam as mudanças ou caem no ostracismo sem dó. Gostei dessa forma que ele encontrou para contar sobre o momento de transição do cinema, acho que é um tema que deveria ser abordado mais vezes. Eu pessoalmente, gosto muito do filme Crepúsculo dos Deuses (1950) e O Artista (2011) que abordam esse assunto também.

Sobre as atuações, pra mim o maior destaque é a Margot Robbie do início ao fim. A personagem dela é enérgica ao mesmo tempo que é uma bomba relógio. Enquanto o filme acontece, você está ali rindo, torcendo por ela, mas também se irrita com as escolhas burras que ela faz. Brad Pitt também está muito bem no papel de Jack Conrad, como Pitt já é um ator consolidado, ele consegue trazer a essência experiente dele para o personagem.

Brad Pitt, no papel de Jack Conrad - Foto: Divulgação Paramount Pictures
Brad Pitt, no papel de Jack Conrad – Foto: Divulgação Paramount Pictures

Quanto ao Chazelle e sua história, a única coisa que me incomodou foi o terceiro ato, momento que Tobey Maguire aparece. É uma sucessão de cenas caóticas nessa parte do filme que parece que você foi jogado do nada para outra história e não orna com nada que foi construído 2 horas antes. Por mim, essa parte do filme poderia ser excluída. Entendo que essas cenas deram rumos pro fim da história, mas são cenas completamente esquecíveis.

Outro destaque importante é a trilha sonora assinada por Justin Hurwitz, que já tinha trabalhado com Chazelle em La La Land (2016). Em Babilônia, Hurtwitz traz um jazz poderosíssimo que combina perfeitamente com o caos de cada cena. A experiência assistindo no cinema é bem forte, pois a música fica super alta numa espécie de imersão com a história.

Babilônia é um filme com muitas camadas, o que pode agradar ou desagradar quem está assistindo. Eu mesma fiquei dividida por um tempo para entender se gostei ou não. Mesmo com a duração extensa e a energia caótica que o roteiro traz durante toda a história, ainda acho que vale muito a pena aprofundar nessa experiência e conhecer os bueiros de Hollywood que no fim das contas é uma grande celebração do que realmente é a indústria cinematográfica.