A filosofia da mudança de Thorfinn: A jornada de redenção mais dolorosa do anime

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Thorfinn muda radicalmente após virar escravo em Vinland Saga. Entenda o peso dessa transformação sob a ótica da filosofia e psicologia

Autor Gabriel Barbosa
Gabriel Barbosa

Publicado em 21 de Maio de 2025, às 23h16

As mudanças do personagem Thorfinn em Vinland SagaAs mudanças do personagem Thorfinn em Vinland Saga

Primeiramente, o texto abaixo contém spoilers sobre Thorfiin e a segunda temporada de Vinland Saga!

No início de Vinland Saga, Thorfinn é um jovem consumido pela raiva. Após testemunhar o assassinato de seu pai, Thors, pelas mãos de Askeladd, ele dedica sua vida à vingança. Tornado um guerreiro implacável, vive para matar.

Porém, ao fim da primeira temporada, esse ciclo se encerra de forma brutal: Askeladd morre pelas mãos de outro, e Thorfinn se vê sem propósito, sem identidade – um vazio existencial que dá início ao seu maior desafio: enfrentar a si mesmo.

Quando o reencontramos na segunda temporada, Thorfinn é um escravo em uma fazenda na Dinamarca. Ele não fala sobre o passado, evita conflitos, e se mostra completamente apático. Ele mesmo admite: “Eu não tenho nenhum inimigo.” Mas o que realmente aconteceu com Thorfinn? A filosofia e psicologia explicam.

A amnésia simbólica e a autonegação

Na segunda tempora de Vinland Saga, Thorfinn muda completamente.
Na segunda tempora de Vinland Saga, Thorfinn muda completamente. Foto: Divulgação

A perda de memória de Thorfinn não é literal, mas simbólica. Ele reprime o passado porque está profundamente traumatizado. Essa dissociação é um fenômeno estudado na psicologia como uma resposta a experiências traumáticas intensas.

Segundo estudos da American Psychological Association, o trauma pode levar à despersonalização – um estado no qual o indivíduo se desconecta da própria identidade como forma de sobreviver psicologicamente.

Thorfinn, ao matar e testemunhar mortes ao longo de anos, perdeu não apenas sua juventude, mas sua humanidade. Como escravo, ele não apenas aceita o sofrimento físico, mas parece desejar a punição. É como se ele acreditasse que não merece mais ser livre.

O silêncio como penitência

Durante os primeiros episódios da segunda temporada, Thorfinn quase não fala. Essa escolha narrativa é intencional e poderosa. O silêncio dele carrega o peso da culpa e da introspecção. É um recurso semelhante ao que grandes autores clássicos exploraram, como Dostoiévski em Crime e Castigo, onde o protagonista, Raskólnikov, também vive uma jornada de culpa silenciosa até o momento da redenção.

Na filosofia, esse silêncio pode ser lido à luz do existencialismo. Jean-Paul Sartre escreveu que “o homem está condenado a ser livre”, ou seja, é responsável por suas escolhas. Thorfinn, que sempre colocou sua raiva nos ombros de Askeladd, agora precisa encarar o fato de que escolheu matar – e que isso não o tornou um homem melhor, principalmente o homem que seu pai se tornou.

A reconstrução pelo outro: a importância de Einar

Thorfinn e Einar na segunda temporada de Vinland Saga
Thorfinn e Einar na segunda temporada de Vinland Saga. Foto: Divulgação

A chegada de Einar é o catalisador dessa nova fase. Diferente de Thorfinn, Einar ainda acredita na vida, no trabalho e na liberdade. Ele questiona Thorfinn, exige respostas, e o confronta moralmente. Pela primeira vez, Thorfinn precisa lidar com alguém que o vê como um ser humano, não como uma arma.

Esse contato com o outro é essencial em processos de reconstrução pessoal, segundo o filósofo Emmanuel Lévinas. Para ele, “o rosto do outro me responsabiliza”. Einar é esse “rosto” que exige que Thorfinn reconheça o valor da vida – da sua e da dos outros.

O sonho e o inferno: o pesadelo que mudou tudo

Na segunda temporada, Thorfinn tem um dos momentos mais marcantes da série: um sonho em que se encontra em um vale escuro, coberto por cadáveres. Nesse espaço onírico, ele reencontra figuras do passado, como seu pai Thors e o próprio Askeladd. Este, mesmo morto, atua como guia espiritual e o confronta: “Você vai viver sem fazer nada? Você só vai continuar fugindo?”

Esse momento é chave. É a epifania de Thorfinn – seu “Inferno de Dante”, onde precisa enfrentar todos que matou para enfim renascer. É também quando ele decide que nunca mais matará alguém.

A partir daí, começa uma nova jornada, dolorosa, lenta, mas profundamente honesta: a de construir um mundo de paz. Não por covardia, mas por escolha consciente.

A ética do pacifismo: Thorfinn como herói nietzschiano

É tentador ver Thorfinn como fraco por abandonar as armas. Mas sua decisão ecoa uma ideia complexa e poderosa: a verdadeira força está em recusar a violência mesmo quando se tem poder para usá-la. Ele encarna o ideal nietzschiano do “super-homem”, não porque domina os outros, mas porque domina a si mesmo.

Friedrich Nietzsche escreveu que “aquele que combate monstros deve cuidar para não se tornar um deles”. Thorfinn finalmente entendeu isso. Sua escolha pela paz não é negação do seu passado, mas superação.

A maior guerra de Thorfinn foi contra si mesmo na segunda temporada de Vinland Saga

Thorfinn possui um inimigo na segunda temporada de Vinland Saga - ele mesmo
Thorfinn possui um inimigo na segunda temporada de Vinland Saga – ele mesmo. Foto: Divulgação

A jornada de Thorfinn em Vinland Saga é uma das mais maduras e comoventes da história dos animes. Ao invés de glorificar batalhas, a obra nos mostra o custo humano da violência. Ele perdeu tudo, inclusive a si mesmo. Mas foi no fundo do poço, como escravo, que ele teve a chance de se reconstruir.

Mais do que vingança, Thorfinn busca agora redenção. E isso faz dele um herói muito mais relevante do que qualquer guerreiro viking armado até os dentes. Afinal, como diria Tolstói, “o verdadeiro herói é aquele que vence a si mesmo.”

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