A filosofia da mudança de Thorfinn: A jornada de redenção mais dolorosa do anime
Thorfinn muda radicalmente após virar escravo em Vinland Saga. Entenda o peso dessa transformação sob a ótica da filosofia e psicologia
Publicado em 21 de Maio de 2025, às 23h16
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Primeiramente, o texto abaixo contém spoilers sobre Thorfiin e a segunda temporada de Vinland Saga!
No início de Vinland Saga, Thorfinn é um jovem consumido pela raiva. Após testemunhar o assassinato de seu pai, Thors, pelas mãos de Askeladd, ele dedica sua vida à vingança. Tornado um guerreiro implacável, vive para matar.
Porém, ao fim da primeira temporada, esse ciclo se encerra de forma brutal: Askeladd morre pelas mãos de outro, e Thorfinn se vê sem propósito, sem identidade – um vazio existencial que dá início ao seu maior desafio: enfrentar a si mesmo.
Quando o reencontramos na segunda temporada, Thorfinn é um escravo em uma fazenda na Dinamarca. Ele não fala sobre o passado, evita conflitos, e se mostra completamente apático. Ele mesmo admite: “Eu não tenho nenhum inimigo.” Mas o que realmente aconteceu com Thorfinn? A filosofia e psicologia explicam.
A amnésia simbólica e a autonegação
A perda de memória de Thorfinn não é literal, mas simbólica. Ele reprime o passado porque está profundamente traumatizado. Essa dissociação é um fenômeno estudado na psicologia como uma resposta a experiências traumáticas intensas.
Segundo estudos da American Psychological Association, o trauma pode levar à despersonalização – um estado no qual o indivíduo se desconecta da própria identidade como forma de sobreviver psicologicamente.
Thorfinn, ao matar e testemunhar mortes ao longo de anos, perdeu não apenas sua juventude, mas sua humanidade. Como escravo, ele não apenas aceita o sofrimento físico, mas parece desejar a punição. É como se ele acreditasse que não merece mais ser livre.
O silêncio como penitência
Durante os primeiros episódios da segunda temporada, Thorfinn quase não fala. Essa escolha narrativa é intencional e poderosa. O silêncio dele carrega o peso da culpa e da introspecção. É um recurso semelhante ao que grandes autores clássicos exploraram, como Dostoiévski em Crime e Castigo, onde o protagonista, Raskólnikov, também vive uma jornada de culpa silenciosa até o momento da redenção.
Na filosofia, esse silêncio pode ser lido à luz do existencialismo. Jean-Paul Sartre escreveu que “o homem está condenado a ser livre”, ou seja, é responsável por suas escolhas. Thorfinn, que sempre colocou sua raiva nos ombros de Askeladd, agora precisa encarar o fato de que escolheu matar – e que isso não o tornou um homem melhor, principalmente o homem que seu pai se tornou.
A reconstrução pelo outro: a importância de Einar
A chegada de Einar é o catalisador dessa nova fase. Diferente de Thorfinn, Einar ainda acredita na vida, no trabalho e na liberdade. Ele questiona Thorfinn, exige respostas, e o confronta moralmente. Pela primeira vez, Thorfinn precisa lidar com alguém que o vê como um ser humano, não como uma arma.
Esse contato com o outro é essencial em processos de reconstrução pessoal, segundo o filósofo Emmanuel Lévinas. Para ele, “o rosto do outro me responsabiliza”. Einar é esse “rosto” que exige que Thorfinn reconheça o valor da vida – da sua e da dos outros.
O sonho e o inferno: o pesadelo que mudou tudo
Na segunda temporada, Thorfinn tem um dos momentos mais marcantes da série: um sonho em que se encontra em um vale escuro, coberto por cadáveres. Nesse espaço onírico, ele reencontra figuras do passado, como seu pai Thors e o próprio Askeladd. Este, mesmo morto, atua como guia espiritual e o confronta: “Você vai viver sem fazer nada? Você só vai continuar fugindo?”
Esse momento é chave. É a epifania de Thorfinn – seu “Inferno de Dante”, onde precisa enfrentar todos que matou para enfim renascer. É também quando ele decide que nunca mais matará alguém.
A partir daí, começa uma nova jornada, dolorosa, lenta, mas profundamente honesta: a de construir um mundo de paz. Não por covardia, mas por escolha consciente.
A ética do pacifismo: Thorfinn como herói nietzschiano
É tentador ver Thorfinn como fraco por abandonar as armas. Mas sua decisão ecoa uma ideia complexa e poderosa: a verdadeira força está em recusar a violência mesmo quando se tem poder para usá-la. Ele encarna o ideal nietzschiano do “super-homem”, não porque domina os outros, mas porque domina a si mesmo.
Friedrich Nietzsche escreveu que “aquele que combate monstros deve cuidar para não se tornar um deles”. Thorfinn finalmente entendeu isso. Sua escolha pela paz não é negação do seu passado, mas superação.
A maior guerra de Thorfinn foi contra si mesmo na segunda temporada de Vinland Saga
A jornada de Thorfinn em Vinland Saga é uma das mais maduras e comoventes da história dos animes. Ao invés de glorificar batalhas, a obra nos mostra o custo humano da violência. Ele perdeu tudo, inclusive a si mesmo. Mas foi no fundo do poço, como escravo, que ele teve a chance de se reconstruir.
Mais do que vingança, Thorfinn busca agora redenção. E isso faz dele um herói muito mais relevante do que qualquer guerreiro viking armado até os dentes. Afinal, como diria Tolstói, “o verdadeiro herói é aquele que vence a si mesmo.”
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